quarta-feira, 10 de julho de 2013

Coesão Textual

Coesão textual
Um texto será coeso se as suas diferentes partes constitutivas estiverem articuladas e interligadas, garantindo a sua unidade semântica. A coesão textual pode ser assegurada através dos seguintes mecanismos linguísticos: — cadeias de referência; — repetições; — substituições lexicais; — conectores interfrásicos; — compatibilidade entre informações temporais e aspectuais.
Cadeias de referência Estamos perante uma cadeia de referência quando, num texto, há um ou vários elementos textuais sem referência autônoma. A sua interpretação está, por isso, dependente de outra expressão presente no texto.
1) Amava, amava as mulheres com sensualidade, estima e ternura. Sinceramente me julgava, perante elas, um sensual, um sentimental e um idealista. Decerto me não tinham inspirado grande ternura ou respeito as que até então fisicamente amara. Mas até essas, não pudera amar (amar da maneira que qualifiquei) sem uma ponta de afetividade e umas veleidades de moralista regenerador. (J. Régio, O Vestido Cor de Fogo)
A expressão nominal as mulheres e os pronomes elas, as e essas, tal como a elipse do pronome pessoal elas antes do complexo verbal tinham inspirado, formam uma cadeia de referência, uma vez que o referente dos pronomes é o mesmo do da expressão nominal. Todas as expressões reenviam para a mesma entidade extralinguística.
Podem integrar as cadeias de referência as anáforas, as catáforas, as elipses e a co-referência não anafórica.
Anáfora: expressão cuja interpretação depende de uma outra expressão presente no contexto verbal anterior.
(2) Ao longe, no alto mar, há ainda o exercício da pesca. Há lá homens. Não os vejo. (V. Ferreira, Até ao Fim) O pronome pessoal oblíquo os remete para uma expressão referida anteriormente no discurso (homens), sendo, por isso, uma anáfora. Catáfora: expressão cuja interpretação depende de outra presente no contexto verbal que vem imediatamente depois. 3) Com o meu irmão tudo foi diferente, sabe, as mulheres preferem-nos, aos filhos. (A. P. Inácio, Os Invisíveis) O pronome pessoal os (nos) remete para uma expressão que aparece posteriormente no discurso (os filhos), sendo, por isso, uma catáfora. Elipse: omissão de uma expressão recuperável pelo contexto, evitando assim a sua repetição. (4) O Luís foi à ópera, onde [ ] encontrou os amigos. (5) A final da Liga dos Campeões foi muito bem disputada, ao contrário do que aconteceu na [ ] anterior. Nos exemplos apresentados, os lugares onde as palavras foram omitidas estão assinalados pelos sinais [ ], que representam elipses. No exemplo (4), a palavra omitida é o pronome pessoal ele ou o nome próprio Luís; enquanto em (5) elidiu-se a palavra final.
Co-referência não anafórica: existe co-referência não anafórica quando duas ou mais expressões linguísticas remetem para o mesmo referente, não havendo dependência referencial de uma em relação a outra(s). (6) A morte de Raul Vilar foi muito lamentada. Todos os jornais consagraram longos artigos ao grande escultor. (M. Sá-Carneiro, Loucura) Tanto Raul Vilar como grande escultor remetem para a mesma personagem. No entanto, ambas as expressões têm referência autônoma.
Coesão lexical A coesão lexical pode ser garantida através de diferentes processos. Repetição: por não ser possível a sua substituição, a repetição da mesma unidade lexical ao longo do texto pode revelar-se necessária para a coesão do texto. (7) Professor riu. Assim passaram a manhã, Professor fazendo a cara dos que vinham pela rua, Pedro Bala recolhendo as pratas ou os níqueis que jogavam. (J. Amado, Capitães da Areia) Neste exemplo, a repetição do nome Professor é necessária para evitar a ambiguidade. Substituição lexical: para evitar repetições desnecessárias, pode substituir-se uma unidade lexical por outras que com ela mantenham relações semânticas de sinonímia (8), antonímia (9), hiponímia e hiperonímia (10). (8) O treinador referiu que o jogo correu bem. Disse ainda que estava orgulhoso da sua equipe. (9) A maior parte das vítimas de violência doméstica são mulheres. Os homens, quando agredidos, raramente denunciam a situação. (10) Na semana passada, encontrei um gatinho. O animal estava cheio de fome e sede.
Coesão interfrásica A coesão de um texto depende da interdependência semântica entre as frases que o constituem, podendo ser assegurada através de diferentes tipos de conectores. Desempenham a função de conectores palavras ou expressões que asseguram a ligação significativa entre frases/orações ou partes do texto, especificando o tipo de conexão existente (causa, tempo, contraste...). Assim, estes elementos são pistas linguísticas que guiam a interpretação do leitor ou ouvinte. 11) Quem tem a bola é o João. É ele quem vai marcar a grande penalidade. Sem o conector, são possíveis várias interpretações, por isso a sua utilização é importante para conduzir a interpretação do leitor / ouvinte, tal como se pode verificar nos exemplos seguintes: (11 a) Quem tem a bola é o João, porque é ele quem vai marcar a grande penalidade. (1 l b) Quem tem a bola é o João, por isso é ele quem vai marcar a grande penalidade. Enquanto em (1l a) o conector introduz uma relação de causa, em (ll b) introduz uma relação de consequência. Podem funcionar como conectores: — conjunções e locuções coordenativas e subordinativas (porque, no entanto...); — advérbios conectivos (agora, assim, depois...); — adjetivos (bom...); — verbos (quer dizer...); — grupos preposicionais/locuções adverbiais (pelo contrário, do mesmo modo...); — orações (para concluir, pelo que referi anteriormente...). (12) Não vou de férias, porque não acabei o relatório. (13) Vou fazer horas extraordinárias a semana toda. Agora, não me peçam para trabalhar no fim-de-semana. Apresentam-se no seguinte quadro os valores dos principais conectores:
Tipo de Conectores
Exemplos Temporais (indicam relações temporais entre as frases ou orações) quando, enquanto, por fim, depois, em seguida, antes, entretanto, então... Contrastivos (indicam relações de oposição) mas, embora, no entanto, apesar de, pelo contrário, contrariamente, por oposição... Aditivos (acrescentam informação) e, também, além disso, mais ainda, igualmente, do mesmo modo, pela mesma razão, adicionalmente, ainda... Causa-consequência (indicam uma relação causa- -efeito) porque, por isso, consequentemente, pois, portanto, logo, por conseguinte, por esta razão, deste modo, então, de maneira que... Confirmativos /exemplificativos por exemplo, de facto, efetivamente, com efeito... Explicativos/ reformulativos quer dizer, ou seja, isto é, por outras palavras... Síntese / conclusão em resumo, em suma, concluindo, para concluir... Alternativos ou, alternativamente, em alternativa...
Coesão temporo-aspectual Para que um texto seja temporalmente coeso, tem de existir compatibilidade entre informação sobre a localização temporal (expressa sobretudo pelos tempos verbais) e informação aspectual (exprime o ponto de vista do enunciador relativamente à situação expressa pelo verbo, apresentando o modo como decorre essa situação). Para que essa coesão se verifique, são necessárias as seguintes condições:
utilização correlativa ( que tem dependência mútua) dos tempos verbais: (14) Quando o Luís telefonou, a Ana saiu de casa. (14a) * Quando o Luís telefonou, a Ana sairá de casa. A agramaticalidade de (14a) decorre da impossibilidade de utilizar o futuro do indicativo tendo como ponto de referência o pretérito perfeito do indicativo. — utilização correlativa dos advérbios de localização temporal e dos tempos verbais: (15) Amanhã tenho aulas. (15a) * Amanhã tive aulas.
Um advérbio que remete para o futuro impossibilita a utilização de um tempo verbal passado. — utilização compatível dos valores aspectuais dos verbos e do valor semântico dos conectores temporais utilizados: (16) Enquanto jantou, a Luísa leu o jornal. (16a) * Enquanto chegou, a Luísa leu o jornal. O conector enquanto pressupõe uma situação contínua, não sendo, por isso, compatível com o verbo chegar, que indica uma ação pontual. — ordenação textual linear dos eventos representados no texto: (17) A Joana abriu a porta e a prima entrou. (1 7a) *A prima entrou e a Joana abriu a porta.
A sequência temporal dos enunciados deve obedecer ao nosso conhecimento do mundo. Assim, qualquer falante espera que a ação de abrir a porta anteceda a de entrar.

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